Velhos e bons livros acabam esquecidos em prateleiras de
bibliotecas e por causa disso bons textos deixam de vir ao conhecimento público
como, aliás, já escrevi antes e ora reitero. Pensando nisto reproduzo este
fragmento de um deles, que se vê a seguir, com os devidos créditos, para assim
divulga-lo aos que porventura leiam este blog. Tendo também ilustrado ao mesmo
com algumas imagens recolhidas na WEB.
O tema versa sobre um episódio naval da Campanha da Cisplatina, que foi um conflito
ocorrido entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata (hoje
Argentina), no período de 1825 a 1828, pela posse da Província Cisplatina,
atual República Oriental do Uruguai. Aquela campanha findou com o
reconhecimento da independência política deste último, com isto contentando os
dois países adversários, nenhum dos quais ficou legalmente com aquele
território.
“DEFESA
HEROICA DA "IMPERATRIZ"
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(Abordagem
a fragata Imperatriz – tela de Trajano Augusto de Carvalho)
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“O almirante William Brown, comandante em chefe da esquadra
argentina durante a Campanha Cisplatina, não era homem que esmorecesse diante
do primeiro insucesso. Os reveses mais sérios — e não foram poucos os que ele
sofreu nos três anos dessa luta — os reveses mais sérios como que o
predispunham para novas arremetidas contra o adversário temível que o cercava
sempre por todos os lados, impedindo-lhe os movimentos. Por isso mesmo na tarde
daquele dia — 27 de abril de 1826 — depois do ataque malogrado à Colônia do
Sacramento, onde perdera o Belgrano, e do combate infeliz do dia 11 em que fora
batido e obrigado a fugir, ele determinava as últimas providências para um novo
cometimento audacioso. Durante a noite seria tomado por abordagem um dos navios
brasileiros. E o escolhido era precisamente a fragata Nictheroy, do comando de
James Norton, contra quem remordia o almirante fundo despeito e não menor
desejo de vingança.
Tudo estava preparado por mão de mestre, carinhosamente, desveladamente, e nem o mais insignificante detalhe fora esquecido. Os marinheiros destinados à abordagem — escolhidos a dedo entre os mais valentes e robustos — já haviam recebido camisetas brancas para se diferençarem dos nossos, e já estavam devidamente industriados e treinados sobre o que deveriam fazer no momento preciso; calafates e caldeireiros tinham sido designados para, ao primeiro instante, pregar as escotilhas e cortar as amarras do navio abordado; o pessoal das gáveas recebera pistolas e granadas de mão para, do alto, melhor alvejar a nossa gente.
Tudo estava preparado por mão de mestre, carinhosamente, desveladamente, e nem o mais insignificante detalhe fora esquecido. Os marinheiros destinados à abordagem — escolhidos a dedo entre os mais valentes e robustos — já haviam recebido camisetas brancas para se diferençarem dos nossos, e já estavam devidamente industriados e treinados sobre o que deveriam fazer no momento preciso; calafates e caldeireiros tinham sido designados para, ao primeiro instante, pregar as escotilhas e cortar as amarras do navio abordado; o pessoal das gáveas recebera pistolas e granadas de mão para, do alto, melhor alvejar a nossa gente.
Saído de Buenos Aires um dia antes com seis de seus melhores
navios, Brown fizera realizar nessa tarde o último exercício, com resultado
excelente; e ao comunicar as últimas disposições a Thomas Espora, seu capitão
de bandeira, cruzando em passos enérgicos o tombadilho da capitânia, ele
esfregava as mãos, risonho, visivelmente satisfeito. Tinha como certo o feliz
êxito do empreendimento planejado.
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(Bandeira argentina por volta de 1820)
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Ao cair da noite suspenderam os navios argentinos das
proximidades do banco Ortiz, onde se achavam, e velejaram com destino a
Montevidéu, em cujo porto estava fundeada a nossa esquadra. Navegavam na
seguinte ordem: corveta 25 de Mayo
(capitânia), brigues Independencia, Republica, Balcarce, Congresso e a escuna
Sarandi.
Ora, regressando de uma viagem a Maldonado, a fragata Imperatriz fora fundear à terra de toda
a esquadra brasileira, em frente ao forte de S. José, a fim de arriar e refrescar
o aparelho. Seu comandante, o bravo e ilustrado capitão de fragata Luiz Barroso
Pereira, imediato de Taylor no célebre cruzeiro da Nictheroy, não olvidara, todavia, as precauções aconselháveis na
emergência, e conservou seu navio preparado para qualquer eventualidade.
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(Comandante
Luiz Barroso Pereira)
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Noite clara, de luar belíssimo. Cerca de 11h45m o cabo de
quartos da Imperatriz dirige-se ao
primeiro-tenente Lúcio de Araújo, oficial de serviço, e previne-o da
aproximação de seis navios. A princípio, dado o sossego que se notava nos
demais navios brasileiros, o oficial não quis acreditar se tratasse de
inimigos. Um marinheiro de nome Ivadish, aprisionado pouco antes na Colônia,
reconhece, entretanto, a capitânia de Brown, e logo a guarnição foi acordada
sem ruído, acorrendo todos a seus postos de combate.
“— Aonde está fundeada a "Nictheroy?” — pergunta Brown em
inglês, com o auxílio do porta-voz, ao aproximar-se da Imperatriz, que ele supunha ser a fragata americana Doris. — Na mesma direção, mais à
frente! — responde-lhe no mesmo idioma o voluntário Mariano Rosquellas,
indicando a corveta inglesa Tweed.
Os navios argentinos seguem no rumo indicado; mas, verificada a
burla, viram de bordo, em contramarcha, e a 25
de Mayo descarrega seus canhões sobre o navio brasileiro. Este já estava
inteiramente preparado para o combate. Em vão, porém, seu bravo comandante
tenta enfrentar o inimigo a vela: a primeira descarga inutilizara-lhe o velame,
cortara-lhe os cabos de laborar. Com o auxílio do leme, entretanto, ora
orçando, ora arribando, evita o Independência
que tenta a abordagem pela proa e descarrega cerrado tiroteio sobre a
capitânia buenairense que lhe enfiara o gurupés pela almeida da popa,
esmagando-lhe um escaler. A luta se desenrola encarniçada, em lances de
heroicidade e de bravura. O segundo-tenente Lopes da Silva, chefe do
destacamento de abordagem, desdobra-se com a sua gente numa atividade pasmosa.
Lúcio de Araújo, imperturbável, na mesa do traquete, desafia a peito descoberto
as fúrias do inimigo, cujas fileiras vão desfalcando com certeiros tiros.
No mais aceso da peleja sobrevém-nos desgraça irremediável. O comandante Barroso Pereira, atingido por uma bala em pleno peito, tomba nos braços do homem do leme. Mas ainda morrendo, ele revela a têmpera do verdadeiro patriota. Alteia o busto ferido e brada à marinhagem que o adorava: Não se assustem camaradas, não foi nada! Substitui-o incontinente o capitão-tenente Rabelo da Gama, imediato, e já agora há uma chama nova a animar os defensores da fragata que ansiavam vingar a morte do seu comandante.
Diante da resistência heroica, Brown reconhece irrealizável o seu intento, e resolve interromper a luta. O gajeiro da gata, porém, passa o chicote do braço grande pelo gurupé da 25 de Mayo e conserva-a mais algum tempo sob o fogo cerrado da nossa fuzilaria, bem como dos dois guardas-leme, enquanto a bateria toda responde ardorosamente ao fogo das demais unidades argentinas.
Uma hora e quinze minutos durava o combate quando o inimigo bate em retirada, precipitadamente, pois os outros navios da esquadra brasileira se aproximavam atraídos pelo ribombar dos canhões.
À frente deles, destemeroso, vinha Norton com a sua garbosa Nictheroy. Fora-se o ensejo de, mais uma vez, medir forças com Brown. Este, porém, não perderia por esperar..."
No mais aceso da peleja sobrevém-nos desgraça irremediável. O comandante Barroso Pereira, atingido por uma bala em pleno peito, tomba nos braços do homem do leme. Mas ainda morrendo, ele revela a têmpera do verdadeiro patriota. Alteia o busto ferido e brada à marinhagem que o adorava: Não se assustem camaradas, não foi nada! Substitui-o incontinente o capitão-tenente Rabelo da Gama, imediato, e já agora há uma chama nova a animar os defensores da fragata que ansiavam vingar a morte do seu comandante.
Diante da resistência heroica, Brown reconhece irrealizável o seu intento, e resolve interromper a luta. O gajeiro da gata, porém, passa o chicote do braço grande pelo gurupé da 25 de Mayo e conserva-a mais algum tempo sob o fogo cerrado da nossa fuzilaria, bem como dos dois guardas-leme, enquanto a bateria toda responde ardorosamente ao fogo das demais unidades argentinas.
Uma hora e quinze minutos durava o combate quando o inimigo bate em retirada, precipitadamente, pois os outros navios da esquadra brasileira se aproximavam atraídos pelo ribombar dos canhões.
À frente deles, destemeroso, vinha Norton com a sua garbosa Nictheroy. Fora-se o ensejo de, mais uma vez, medir forças com Brown. Este, porém, não perderia por esperar..."
Fonte:
PRADO MAIA,
João. Através da história Naval Brasileira. São Paulo: Companhia Editora
Nacional. Edição 1936.
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(Bandeira
brasileira de então)
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Elucidou o Barão do Rio
Branco em livro que escreveu as razões, que levaram Barroso Pereira a
ser ferido mortalmente durante o embate naval. Quando escreveu:
“Colocou-se Barroso Pereira no lugar mais perigoso do navio, contra a vontade de seus oficiais; e, com os braços cruzados, aí se conservou através de uma nuvem de balas. Alcançou-o uma delas poucos minutos antes do começo da ação. Sem dar um só grito, levou ele com calma as mãos ao peito: – Não foi nada camaradas – exclamou ele. Recuou três passos e caiu gritando: “Ao fogo!” Baldias, frustâneas, foram às esperanças do que supunham vê-lo tornar a si. Poucos segundos depois expirou.”
Fonte:
PARANHOS JÚNIOR, José Maria da Silva. Obras do Barão do
Rio Branco VII: biografias. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012.
Não custa se asseverar,
que tanto no Brasil como no exterior, naquela época os comandantes de forças
terrestres ou marítimas agiam sempre assim, para estimular os seus
subordinados.
Em recordação ao mesmo seu nome foi dado ao Navio de Transporte de Tropas Barroso Pereira - G 16 – que foi construído sob encomenda da MB no Japão e desempenhou muitas
fainas marítimas para esta entre 1955 e 1995. Tanto que durante seus quarenta
anos de serviço atingiu as marcas de 888.370 milhas navegadas e 3.420
dias de mar.
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(Navio para transporte de tropas BARROSO
PEREIRA)
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Fontes das principais imagens:
Wikipédia, a
enciclopédia livre. https://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_da_Argentina . Acesso em: 02/01/2018.
Navios de Guerra Brasileiros. NTrT Barroso Pereira - G
16. http://www.naval.com.br/ngb/B/B022/B022.htm . Acesso em:
02/01/2018.